A essência da vida são os outros.
A nossa época é-lhe contrária por várias estupidezes. As pessoas vangloriam-se de ser independentes, individualistas, auto-suficientes, egocêntricas, únicas, solitárias, livres. Dizem: «Quero lá saber o que os outros pensam!» sem perceber a terrível vaidade que isso implica.
Para ter uma noção do pouco que valemos, basta subtrair ao que somos o que aprendemos, o que lemos, o que vivemos com os outros. É só ver o que fica. Coisa pouca. Sozinho quase ninguém é quase nada. É somente juntos que podemos ser alguma coisa. A verdade é que devemos tudo a quem já deu, já morreu, já disse, já escreveu. E a nossa felicidade devêmo-la, não a nós próprios, mas a quem vive ou viveu ao pé de nós. Será isso o que custa tanto a aceitar?
Nascemos dentro de um mundo cheio de hábitos, de conhecimentos e de poesia. Com a papa feita. Tudo existe sem o nosso esforço. Tudo já lá está antes da ideia que temos, da iniciativa que tomámos. Temos literaturas, histórias, línguas, regras sociais, tecnologias. Uma bela herança, feita das coisas que os outros nos deixaram. Não foi por serem generosos – foi porque viviam connosco. Os outros são a nossa vingança, a nossa moralidade, a nossa inibição.
No pouco tempo em que vivemos e trabalhamos, limitamo-nos a acrescentar um ponto ou outro à soma que já existe. Um dia morremos. A morte é o preço que se paga pelo facto de vivermos tão facilmente. Pelo facto de não termos que inventar a língua que se fala, de não escrevermos os livros que se lêem, de não fazermos o pão que se come, de não sermos obrigados a estabelecer e a negociar as regras com que se vive.
Os outros são a sorte que nos cabe, são o azar que nos calha. São o nosso último recurso e a nossa primeira obrigação. Esta é a essência da sociedade. Enriquecemos quando os outros são ricos, empobrecemos quando eles são pobres. Deixemo-nos de betices. O sentimento mais importante de todos é a solidariedade.
(…) Não podemos ser vaidosos nem egoístas. Temos de nos sentir mais sozinhos. A saudade tem muito para nos ensinar. Entre o que temos e o que nos dão, não parece haver escolha possível. Mas há. Podem dar-nos pouco, mas para começo, não temos praticamente nada. O que temos, temos de dar. É pela dádiva que justificamos - isto é, tornamos justo, o que temos.
(...) Os outros são a nossa única justificação possível. Segui-los e servi-los, por questões de sabedoria e sentimento, é a nossa mais maravilhosa oportunidade.
O essencial é amar os outros. Pelo amor a uma só pessoa pode amar-se toda a humanidade. Vive-se bem sem trabalhar, sem dormir, sem comer. Passa-se bem sem amigos, sem transportes, sem cafés. É horrível mas uma pessoa vai andando.
Apresentam-se e arranjam-se sempre alternativas. É fácil.
Mas sem amor e sem amar, o homem deixa-se desproteger e a vida acaba por matar.
Philip Larkin era um poeta pessimista. Disse que a única coisa que ia sobreviver a nós era o amor. O amor. Vive-se sem paixão, sem correspondência, sem resposta. Passa-se sem uma amante, sem uma casa, sem uma cama. É verdade, sim senhores.
Sem um amor não vive ninguém. Pode ser um amor sem razão, sem morada, sem nome sequer. Mas tem de ser um amor. Não tem de ser lindo, impossível, inaugural. Apenas tem de ser verdadeiro.
O amor é um abandono porque abdicamos, de quem vamos atrás. Saímos com ele. Atiramo-nos. Retraímo-nos. Mas não há nada a fazer: deixamo-lo ir. Mais tarde ou mais cedo, passamos para lá do dia a dia, para longe de onde estávamos. Para consolar, mandar vir, tentar perceber, voltar atrás.
O amor é que fica quando o coração está cansado. Quando o pensamento está exausto e os sentidos se deixam adormecer, o amor acorda para se apanhar. O amor é uma coisa que vai contra nós. É uma armadilha. No meio do sono, acorda. No meio do trabalho, lembra-se de se espreguiçar. O amor é uma das nossas almas. É a nossa ligação aos outros. Não se pode exterminar. Quem não dava a vida por uma amor? Quem não tem um amor inseguro e incerto, lindo de morrer: de quem queira, até ao fim da vida, cuidar e fugir, fugir e cuidar?
Posso dizer uma verdade? A minha maior qualidade é o meu Amor, é a minha família, são os meus amigos, é a minha pátria, são os meus colegas. São os meus antepassados, são os exemplos que me deram, são os meus livros. Eis a essência da vida, de qualquer vida: a minha maior qualidade são os outros. É esta a maior qualidade de qualquer outra pessoa.
A minha maior qualidade é depender dos outros, é preocupar-me com o que pensam, é ser influenciado pelo que dizem. Eu não sou quase ninguém. Eu sou só um. Os outros são quase tudo. São quase todos. A minha maior qualidade é não querer, saber que não posso, safar-me sozinho. É sentir-me sozinho quando estou sozinho, preso pelo amor que me prende. É sentir-me incompleto. Os outros dão-me vida. A minha maior preocupação é conhecê-los, servi-los, conservá-los, merecê-los.
A essência da vida está fora de nós. Está nos outros todos juntos, sem lugar, sem tempo, sem saber como. A única coisa que temos é o Amor.
A nossa época é-lhe contrária por várias estupidezes. As pessoas vangloriam-se de ser independentes, individualistas, auto-suficientes, egocêntricas, únicas, solitárias, livres. Dizem: «Quero lá saber o que os outros pensam!» sem perceber a terrível vaidade que isso implica.
Para ter uma noção do pouco que valemos, basta subtrair ao que somos o que aprendemos, o que lemos, o que vivemos com os outros. É só ver o que fica. Coisa pouca. Sozinho quase ninguém é quase nada. É somente juntos que podemos ser alguma coisa. A verdade é que devemos tudo a quem já deu, já morreu, já disse, já escreveu. E a nossa felicidade devêmo-la, não a nós próprios, mas a quem vive ou viveu ao pé de nós. Será isso o que custa tanto a aceitar?
Nascemos dentro de um mundo cheio de hábitos, de conhecimentos e de poesia. Com a papa feita. Tudo existe sem o nosso esforço. Tudo já lá está antes da ideia que temos, da iniciativa que tomámos. Temos literaturas, histórias, línguas, regras sociais, tecnologias. Uma bela herança, feita das coisas que os outros nos deixaram. Não foi por serem generosos – foi porque viviam connosco. Os outros são a nossa vingança, a nossa moralidade, a nossa inibição.
No pouco tempo em que vivemos e trabalhamos, limitamo-nos a acrescentar um ponto ou outro à soma que já existe. Um dia morremos. A morte é o preço que se paga pelo facto de vivermos tão facilmente. Pelo facto de não termos que inventar a língua que se fala, de não escrevermos os livros que se lêem, de não fazermos o pão que se come, de não sermos obrigados a estabelecer e a negociar as regras com que se vive.
Os outros são a sorte que nos cabe, são o azar que nos calha. São o nosso último recurso e a nossa primeira obrigação. Esta é a essência da sociedade. Enriquecemos quando os outros são ricos, empobrecemos quando eles são pobres. Deixemo-nos de betices. O sentimento mais importante de todos é a solidariedade.
(…) Não podemos ser vaidosos nem egoístas. Temos de nos sentir mais sozinhos. A saudade tem muito para nos ensinar. Entre o que temos e o que nos dão, não parece haver escolha possível. Mas há. Podem dar-nos pouco, mas para começo, não temos praticamente nada. O que temos, temos de dar. É pela dádiva que justificamos - isto é, tornamos justo, o que temos.
(...) Os outros são a nossa única justificação possível. Segui-los e servi-los, por questões de sabedoria e sentimento, é a nossa mais maravilhosa oportunidade.
O essencial é amar os outros. Pelo amor a uma só pessoa pode amar-se toda a humanidade. Vive-se bem sem trabalhar, sem dormir, sem comer. Passa-se bem sem amigos, sem transportes, sem cafés. É horrível mas uma pessoa vai andando.
Apresentam-se e arranjam-se sempre alternativas. É fácil.
Mas sem amor e sem amar, o homem deixa-se desproteger e a vida acaba por matar.
Philip Larkin era um poeta pessimista. Disse que a única coisa que ia sobreviver a nós era o amor. O amor. Vive-se sem paixão, sem correspondência, sem resposta. Passa-se sem uma amante, sem uma casa, sem uma cama. É verdade, sim senhores.
Sem um amor não vive ninguém. Pode ser um amor sem razão, sem morada, sem nome sequer. Mas tem de ser um amor. Não tem de ser lindo, impossível, inaugural. Apenas tem de ser verdadeiro.
O amor é um abandono porque abdicamos, de quem vamos atrás. Saímos com ele. Atiramo-nos. Retraímo-nos. Mas não há nada a fazer: deixamo-lo ir. Mais tarde ou mais cedo, passamos para lá do dia a dia, para longe de onde estávamos. Para consolar, mandar vir, tentar perceber, voltar atrás.
O amor é que fica quando o coração está cansado. Quando o pensamento está exausto e os sentidos se deixam adormecer, o amor acorda para se apanhar. O amor é uma coisa que vai contra nós. É uma armadilha. No meio do sono, acorda. No meio do trabalho, lembra-se de se espreguiçar. O amor é uma das nossas almas. É a nossa ligação aos outros. Não se pode exterminar. Quem não dava a vida por uma amor? Quem não tem um amor inseguro e incerto, lindo de morrer: de quem queira, até ao fim da vida, cuidar e fugir, fugir e cuidar?
Posso dizer uma verdade? A minha maior qualidade é o meu Amor, é a minha família, são os meus amigos, é a minha pátria, são os meus colegas. São os meus antepassados, são os exemplos que me deram, são os meus livros. Eis a essência da vida, de qualquer vida: a minha maior qualidade são os outros. É esta a maior qualidade de qualquer outra pessoa.
A minha maior qualidade é depender dos outros, é preocupar-me com o que pensam, é ser influenciado pelo que dizem. Eu não sou quase ninguém. Eu sou só um. Os outros são quase tudo. São quase todos. A minha maior qualidade é não querer, saber que não posso, safar-me sozinho. É sentir-me sozinho quando estou sozinho, preso pelo amor que me prende. É sentir-me incompleto. Os outros dão-me vida. A minha maior preocupação é conhecê-los, servi-los, conservá-los, merecê-los.
A essência da vida está fora de nós. Está nos outros todos juntos, sem lugar, sem tempo, sem saber como. A única coisa que temos é o Amor.
In Último Volume, de Miguel Esteves Cardoso
Depois de um fim de semana como o último, apetece dizer:
Culto, Leegend? Sem dúvida! Culto da Amizade!
MEC (d)escreve-o melhor que ninguém...
Os Amigos dão-me Vida!
Obrigado aos que ajudam a preencher tão bem os meus dias... e as minhas noites ;)
Feliz Natal para Todos!
15 comentários:
buááááááááá..................
Olá meu querido, venho retribuir os votos de Feliz Natal.
Concordo com o MEC. Agora deu-me vontade dizer tal como Aristóteles... «o homem é por natureza um animal social».
Julgo que nos conhecemos melhor na relação com o outro. Não é por acaso que a reflexão é como um reflexo, um espelho. Quem nos poderá dar uma visão mais alargada de nós próprios senão o outro, que nos olha de fora?
O outro é um espelho de nós próprios. Arrisco-me a dizer até que os defeitos que encontramos nos outros, são os desafios de nós próprios, aquilo que nós temos de melhorar!
beijinhos e tudo de bom para ti :)
p.s. Quanto ao Amor, ele é o melhor que levamos da Vida!
Boas festas! Diverte-te e cá estamos e continuamos, my friend :)
Feliz Natal para ti também. Com muita amizade e amor! :)
feliz natal k!
Il Mister,
desejo-te um Feliz Natal!
Um beijinho do tamanho do mundo
Um beijo do tamanho do mundo e votos de que passes o mais belo Natal na companhia de quem te merece ;)
Muaaaaaaaaaaaaa
Pi
Gelo, adorei a tua mens
Muito obrigado, Carla!
Pela reflexão, pela tua presença e pela paz que sempre transmites... muito Amor para Ti!
Bj
Amigo Rui, sempre presente!
Abraço
Muito Obrigado, Sparkle! Tudo de bom para Ti e para os Teus!
Bj
Sininho, espero que o teu Natal passe depressa ;)
Bj, Amiga
Clara,
beijo para Ti, minha cara... do mundo, do universo... não interessa, apenas conta a intensidade... ;)
Espero que o Natal tenha sido apenas óptimo!
Sonj,
que o teu Natal esteja a ser no mínimo tão bom quanto o meu...
Beijo doce, para Ti dolce
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