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segunda-feira, 24 de maio de 2010

Desejo

«O amor que você conhece não é mais do que um impulso biológico; depende da sua própria química e hormonas. É facilmente mutável - uma mudança na sua química e o amor que considerava uma "verdade absoluta" simplesmente desaparece. Você chamou "amor" ao desejo.»

In "Amor, Liberdade e Solidão", de Osho

Mais do que imaginava...

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Idealização

«1. "Perceber o que as pessoas nos escondem é fácil, mas não leva a lado nenhum", observou Elias Canetti, dando a entender que não custa nada, e, no entanto, é completamente inútil, descobrir os defeitos dos outros. Pois não é verdade que nos apaixonamos devido, em parte, a um desejo temporário de não aprofundar o nosso conhecimento do outro, mesmo que isso nos torne um tanto ou quanto cegos? Se o cinismo e o amor se encontram em pólos opostos, será que por vezes nos apaixonamos para fugir ao debilitante cinismo a que somos propensos? Não haverá em cada coup de foudre um certo exagero voluntário das qualidades do ser amado, exagero esse que nos desvia da desilusão ao concentrar as nossas energias em determinado rosto, no qual somos capazes, provisoriamente e como por milagre, de acreditar como nunca acreditámos em nós mesmos?»


In Ensaios de Amor, de Alain de Botton

Sou um exagerado... é o que dizem...
Não concordo...
Gosto apenas de acreditar nos outros...
por vezes, quando já ninguém acredita...

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Fatalismo Romântico


«Em nenhuma outra área a ânsia por um destino é tão forte como na nossa vida amorosa. Sendo nós, tantas vezes, obrigados a partilhar a cama com quem não compreende a nossa alma, não será perdoável o facto de acreditarmos (contrariando todas as regras da nossa época iluminada) que havemos de encontrar, um dia, o homem ou a mulher dos nossos sonhos? Não poderá ser-nos permitido um certo grau de supersticiosa fé numa criatura que trará a solução dos nossos inexoráveis anseios? E embora as nossas preces possam nunca ser respondidas, embora talvez haja fim para o funesto ciclo da incompreensão mútua, se porventura os céus decidirem ter piedade de nós, será realmente legítimo pedir que atribuamos o encontro com esse príncipe ou princesa ao mero acaso? Não teremos direito a, por uma vez, voltar as costas à censura racional e considerar tal acontecimento parte inevitável do nosso destino romântico?»

In Ensaios de Amor, de Alain de Botton

Eu gosto de acreditar no destino... pela quantidade de coincidências inimagináveis que já me «atingiram»... mas também acredito que temos realidades diferentes em função das nossas escolhas... e há momentos em que não há escolhas, nós é que gostaríamos de criar uma diferente realidade...

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Em Nome do Amor Puro

Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa não é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.
O que eu quero fazer é o elogio do amor puro.
Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Teixeira de Pascoaes meteu-se num navio para ir atrás de uma rapariga inglesa com quem nunca tinha falado. Estava apaixonado, foi parar a Liverpool. Quando finalmente conseguiu falar com ela, arrependeu-se. Quem é que hoje é capaz de se apaixonar assim?
Hoje em dia as pessoas apaixonam-se por uma questão prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão mesmo ali ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato. Por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram em «diálogo». O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica da camaradagem. A paixão, que deveria ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas em vez de se apaixonarem de verdade, ficam praticamente apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há.

Estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr o risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do «tá bem, tudo bem», tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.
Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o medo, o desequilíbrio, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso «dá lá um jeitinho» sentimental. Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Por onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, fachada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassado ao pessoal da pantufa e da serenidade.
Amor é amor. É essa a beleza. É esse o perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor é para nos amar, para levar-nos de repente ao céu, a tempo de ainda apanhar um bocadinho de inferno aberto.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A «vidinha» é uma conveniência assassina.
O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um principio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para se perceber. O amor é um estado de quem se sente.
O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita. Não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que se quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar. O amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.
Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos.

E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar esperança, doer sem ficar magoado, viver sózinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder, não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não.

Só um minuto de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

In Último Volume, de Miguel Esteves Cardoso


Porque gosto...
porque me apetece...
porque acredito que existirá... algures...

(talvez o texto mais reproduzido na blogosfera, mas hoje, realmente, apetece-me!)

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A Essência

A essência da vida são os outros.
A nossa época é-lhe contrária por várias estupidezes. As pessoas vangloriam-se de ser independentes, individualistas, auto-suficientes, egocêntricas, únicas, solitárias, livres. Dizem: «Quero lá saber o que os outros pensam!» sem perceber a terrível vaidade que isso implica.
Para ter uma noção do pouco que valemos, basta subtrair ao que somos o que aprendemos, o que lemos, o que vivemos com os outros. É só ver o que fica. Coisa pouca. Sozinho quase ninguém é quase nada. É somente juntos que podemos ser alguma coisa. A verdade é que devemos tudo a quem já deu, já morreu, já disse, já escreveu. E a nossa felicidade devêmo-la, não a nós próprios, mas a quem vive ou viveu ao pé de nós. Será isso o que custa tanto a aceitar?
Nascemos dentro de um mundo cheio de hábitos, de conhecimentos e de poesia. Com a papa feita. Tudo existe sem o nosso esforço. Tudo já lá está antes da ideia que temos, da iniciativa que tomámos. Temos literaturas, histórias, línguas, regras sociais, tecnologias. Uma bela herança, feita das coisas que os outros nos deixaram. Não foi por serem generosos – foi porque viviam connosco. Os outros são a nossa vingança, a nossa moralidade, a nossa inibição.
No pouco tempo em que vivemos e trabalhamos, limitamo-nos a acrescentar um ponto ou outro à soma que já existe. Um dia morremos. A morte é o preço que se paga pelo facto de vivermos tão facilmente. Pelo facto de não termos que inventar a língua que se fala, de não escrevermos os livros que se lêem, de não fazermos o pão que se come, de não sermos obrigados a estabelecer e a negociar as regras com que se vive.
Os outros são a sorte que nos cabe, são o azar que nos calha. São o nosso último recurso e a nossa primeira obrigação. Esta é a essência da sociedade. Enriquecemos quando os outros são ricos, empobrecemos quando eles são pobres. Deixemo-nos de betices. O sentimento mais importante de todos é a solidariedade.
(…) Não podemos ser vaidosos nem egoístas. Temos de nos sentir mais sozinhos. A saudade tem muito para nos ensinar. Entre o que temos e o que nos dão, não parece haver escolha possível. Mas há. Podem dar-nos pouco, mas para começo, não temos praticamente nada. O que temos, temos de dar. É pela dádiva que justificamos - isto é, tornamos justo, o que temos.
(...) Os outros são a nossa única justificação possível. Segui-los e servi-los, por questões de sabedoria e sentimento, é a nossa mais maravilhosa oportunidade.
O essencial é amar os outros. Pelo amor a uma só pessoa pode amar-se toda a humanidade. Vive-se bem sem trabalhar, sem dormir, sem comer. Passa-se bem sem amigos, sem transportes, sem cafés. É horrível mas uma pessoa vai andando.
Apresentam-se e arranjam-se sempre alternativas. É fácil.
Mas sem amor e sem amar, o homem deixa-se desproteger e a vida acaba por matar.
Philip Larkin era um poeta pessimista. Disse que a única coisa que ia sobreviver a nós era o amor. O amor. Vive-se sem paixão, sem correspondência, sem resposta. Passa-se sem uma amante, sem uma casa, sem uma cama. É verdade, sim senhores.
Sem um amor não vive ninguém. Pode ser um amor sem razão, sem morada, sem nome sequer. Mas tem de ser um amor. Não tem de ser lindo, impossível, inaugural. Apenas tem de ser verdadeiro.
O amor é um abandono porque abdicamos, de quem vamos atrás. Saímos com ele. Atiramo-nos. Retraímo-nos. Mas não há nada a fazer: deixamo-lo ir. Mais tarde ou mais cedo, passamos para lá do dia a dia, para longe de onde estávamos. Para consolar, mandar vir, tentar perceber, voltar atrás.
O amor é que fica quando o coração está cansado. Quando o pensamento está exausto e os sentidos se deixam adormecer, o amor acorda para se apanhar. O amor é uma coisa que vai contra nós. É uma armadilha. No meio do sono, acorda. No meio do trabalho, lembra-se de se espreguiçar. O amor é uma das nossas almas. É a nossa ligação aos outros. Não se pode exterminar. Quem não dava a vida por uma amor? Quem não tem um amor inseguro e incerto, lindo de morrer: de quem queira, até ao fim da vida, cuidar e fugir, fugir e cuidar?
Posso dizer uma verdade? A minha maior qualidade é o meu Amor, é a minha família, são os meus amigos, é a minha pátria, são os meus colegas. São os meus antepassados, são os exemplos que me deram, são os meus livros. Eis a essência da vida, de qualquer vida: a minha maior qualidade são os outros. É esta a maior qualidade de qualquer outra pessoa.
A minha maior qualidade é depender dos outros, é preocupar-me com o que pensam, é ser influenciado pelo que dizem. Eu não sou quase ninguém. Eu sou só um. Os outros são quase tudo. São quase todos. A minha maior qualidade é não querer, saber que não posso, safar-me sozinho. É sentir-me sozinho quando estou sozinho, preso pelo amor que me prende. É sentir-me incompleto. Os outros dão-me vida. A minha maior preocupação é conhecê-los, servi-los, conservá-los, merecê-los.
A essência da vida está fora de nós. Está nos outros todos juntos, sem lugar, sem tempo, sem saber como. A única coisa que temos é o Amor.

In Último Volume, de Miguel Esteves Cardoso

Depois de um fim de semana como o último, apetece dizer:
Culto, Leegend? Sem dúvida! Culto da Amizade!
MEC (d)escreve-o melhor que ninguém...
Os Amigos dão-me Vida!
Obrigado aos que ajudam a preencher tão bem os meus dias... e as minhas noites ;)
Feliz Natal para Todos!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Como Esquecer

Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa – como é que se faz quando a pessoa que se precisa já não está lá?
As pessoas têm de morrer, os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar. Sim, mas como se faz? Como se esquece?
Devagar. É preciso esquecer devagar.

Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas!
É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso primeiro aceitar.
É preciso aceitar esta mágoa, esta moínha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados, se tivessem apenas o peso que têm em si, isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.

Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.
Porque é nos momentos em que estamos mais cansados ou mais felizes que sentimos mais a falta das pessoas que amamos? O cansaço faz-nos precisar delas. Quando estamos assim, mais ninguém consegue tomar conta de nós. O cansaço é uma coisa que só o amor compreende. A minha mãe. O meu Amor. E a felicidade. A felicidade faz-nos sentir pena e culpa de não podermos partilhar. É por estarmos de uma forma ou de outra sozinhos que a saudade é maior.
Miramar, by K
Mas o mais difícil de aceitar é que há lembranças e amores que necessitam do afastamento para poderem continuar. Afonso Lopes Vieira dizia que Portugal estava tão mal que era preciso exilar-se para poder continuar a amar a pátria dele. Deixar de vê-la para ter vontade de a ver. Às vezes a presença do objecto amado provoca a interrupção do amor. É complicado o curto-circuito, o encurralamento, a contradição que está ali presente, ali, na cara do coração, impedindo-o de continuar.
As pessoas nunca deveriam de morrer, nem deixarem de se amar, nem separar-se, nem esquecer-se, mas morrem e deixam-se e separam-se e esquecem-se. Custa aceitar que os mais velhos, que nos deram vida, tenham de dar a vida para poderem continuar vivos dentro de nós. Mas é preciso aceitar. É preciso aceitar. É preciso sofrer, dar uns murros na mesa, não perceber. E aceitar. Se as pessoas amadas fossem imortais perderíamos o coração. Perderíamos a religiosidade, a paciência, a humanidade até.
Há uma presença interior, uma continuação em nós de quem desapareceu, que se ressente do confronto com a presença exterior. É por isso que nunca se deve voltar a um sítio onde se tenha sido feliz. Todas as cidades se tornam realmente feias, fisicamente piores à medida que se enraízam e alindam na memória que guardamos delas no coração. Regressar é fazer mal ao que se guardou.
Uma saudade cuida-se. Nos casos mais tristes separa-se da pessoa que a causou. Continuar com ela, ou apenas vê-la pode desfazer e destruir a beleza do sentimento, as pessoas que se amam mas não se dão bem só conseguem amar-se quando não se dão.
Mas como esquecer? Como acabar com aquela dor? É preciso paciência. É preciso sofrer. É preciso aguentar.
Há grandeza no sentimento. Sofrer é respeitar o tamanho que teve um amor. No meio do remoinho de erros que nos revolve as entranhas, da raiva, do ressentimento, do rancor – temos de encontrar a raiz daquela paixão, a razão original daquele amor.
As pessoas morrem, magoam-se, separam-se, abandonam-se, fazem os maiores disparates com a maior das facilidades. Para esquecê-las, é preciso chorá-las primeiro. Esta é uma verdade tão antiga que espanta reparar em como ainda temos esperanças de contorná-la. Nos uivos das mulheres nas praias da Nazaré não há «histerias» nem «ignorância» nem «fingimento». Há a verdade que nós os modernos, os tranquilizados, os cools, os cobardes, os armados em livres e independentes, os tanto-me-fazes, os anestesiados, temos medo de enfrentar.
Para esquecer uma pessoa não há vias rápidas, não há suplentes, não há calmantes, ilhas nas Caraíbas, livros de poesia – só há lembranças, dor e lentidão, com uns breves intervalos pelo meio para retomar o fôlego.
Esta dor tem de ser aguentada e bem sofrida com paciência e fortaleza. Ir a correr para debaixo das saias de quem for é uma reacção natural, mas não serve de nada e faz pouco de nós próprios. A mágoa é um estado natural. Tem o seu tempo e o seu estilo. Tem até uma estranha beleza.

Nós somos feitos para aguentar com ela.
Podemos arranjar as maneiras que quisermos de odiar quem amamos, de nos vingarmos delas, de nos pormos a milhas, de lhe pormos os cornos, de lhe compormos redondilhas, mas tudo isso não tem mal. Nem faz bem nenhum. Tudo isso conta como lembrança, tudo isso conta como uma saudade contrariada, enraivecida, embaraçada por ter sido apanhada na via pública, como um bicho preto e feio, um parasita de coração, uma peste inexterminável, barata esperneante: uma saudade de pernas para o ar.
O que é preciso é igualar a intensidade do amor a quem se ama e a quem se perdeu. Para esquecer, é preciso dar algo em troca. Os grandes esquecimentos saem sempre caros. É preciso dar tempo, dar dor, dar com a cabeça na parede, dar sangue, dar um pedacinho de carne.
E mesmo assim, mesmo magoando, mesmo sofrendo, mesmo conseguindo guardar na alma o que os braços já não conseguem agarrar, mesmo esperando, mesmo aguentando como um homem, mesmo passando os dias vestido de preto, aos soluços, dobrado sobre a areia da Nazaré, mesmo com muita paciência e muita má vontade, mesmo assim é possível que não se consiga esquecer nem um bocadinho.
Nazaré, by K
Quanto mais fácil amar e lembrar alguém – uma mãe, um filho, um grande amor – mais fácil deixar de amá-lo e esquecê-lo. Raio de sorte, ó lindeza, miséria suprema do amor. Pode esquecer-se quem nos vem à lembrança, aqueles de quem nos lembramos de vez em quando, com dor ou alegria, tanto faz, com tempo e com paciência, aqueles que amámos com paciência, aqueles que amámos sinceramente, que partiram e nos deixaram, vazios de mãos e cheios de saudades.
E quando alguém está sempre presente? Quando é tarde. Quando já não se aguenta mais. Quando já é tarde para voltar a trás, percebe-se que há esquecimentos tão caros que nunca se podem pagar. Como é que se pode esquecer o que só se consegue lembrar? Aí, está o sofrimento maior de todos. O luto verdadeiro. Aí está a maior das felicidades.

In Último Volume, de Miguel Esteves Cardoso

Muitos me perguntam como se esquece, quase todos os dias/noites...
Nem eu próprio tenho resposta alguma... porque não esqueço... os bons momentos que vivi...
MEC talvez a tenha...

Regressar à Nazaré... uma certeza, para breve...

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Sagitário Cabalístico


(...) Sagitário (Keshet em hebraico) quer dizer arco-íris, as sete cores básicas que constituem o espectro da Luz.
(...) É um signo de fogo e está intimamente ligado ao elemento ar, o que significa que os Sagitários são propulsionados como um foguete, pelo fogo, por uma força que surge das profundezas do seu espírito. Devido a esse fogo interior, procuram constantemente desafios e riscos.
(...) A única coisa que lhes interessa é porem-se a si mesmos à prova.
(...) Os Sagitários necessitam de sentir pressão para terem êxito. A pressão alimenta-os. Sem ela, perdem interesse rapidamente.
Quando surge uma oportunidade para a aventura, os Sagitários atiram-se a ela: quanto mais impossível for a tarefa, maior é o seu entusiasmo. Aproveitam todas as oportunidades para desempenhos heróicos e esforçam-se constantemente por superar os seus limites.
Os Sagitários procuram o prazer quase a qualquer preço. Querem gratificação instantânea e obtêm-na, correndo riscos e enfrentando os seus medos. Por esse motivo, os seus pensamentos e acções não se concentram na meta em si, mas na forma de obter o máximo prazer no que empreenderam. Ainda que não tenham a intenção de fazer mal, o seu interesse está em porem-se à prova e podem ser insensíveis às dúvidas e medos de quem os rodeia. Para os Sagitários, é uma questão de honra enfrentar todos os desafios e, geralmente, fazem-no encantados. Todavia, se fracassarem, persegue-os a culpa e revivem várias vezes o acontecimento.

(...) Gostam de aprender, mas não gostam de rigidez, seja de que tipo for, e procuram formação em cenários não convencionais. Amam a liberdade e não podem estar muito tempo no mesmo lugar. Preferem explorar novos horizontes, física e intelectualmente. Esse instinto nómada influi também nas suas relações. Os Sagitários necessitam de «redescobrir» periodicamente os seus parceiros. Se vêem que aparece a rotina na relação, torna-se-lhes difícil continuar.
Os Sagitários são intransigentes e extremamente críticos do seu comportamento. Uma das suas virtudes é que procuram sempre os seus próprios defeitos e assumem imediatamente a responsabilidade pelos seus actos e erros. Nunca culpam os outros, não têm ressentimentos, perdoam depressa e até podem acabar por se concentrar unicamente nas suas próprias insuficiências e fracassos.
Todos e cada um dos erros que um Sagitário comete gravam-se-lhe na memória para referência futura. (...). Mais, aprendem com os erros dos seus amigos e integram essas experiências no seu próprio desenvolvimento. Vêem tudo como uma oportunidade para aprender e progredir.
(...) Eles experimentam milagres durante toda a sua vida e, de facto, vivem à espera deles.
Para os Sagitários, há sempre um «final feliz».

In »Astrologia Cabalística e o Significado das Nossas Vidas»

Demasiado próximo da verdade até para um céptico como eu...

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A primeira vez...

«(...) Não há garantias.
(...) É apenas certo que te materializaste a distância suficiente para que te abraçasse. Depois, pareceu-me que o teu corpo cabia perfeitamente nos meus braços.
(...) Vai ser na minha casa. Vamos estar a beijar-nos no sofá.
(...) Podes morder-me a língua. Podes morder-me onde quiseres.
As minhas mãos. Tu ainda não conheces bem as minhas mãos. Sei que tens uma ideia sobre elas, mas ainda não as conheces muito bem. Eu próprio me surpreendo com elas frequentemente. As minhas mãos vão procurar as formas do teu corpo. Gosto de começar por perceber a dimensão das coisas. Vou segurar-te nos ombros, nos braços, na barriga de lado, nas ancas e nas pernas.

A escolha destes lugares não tem nada a ver com a procura de um crescendo, com uma gradação que, no seu auge, chegue a lugares mais íntimos e/ou pornográficos. Aliás, não chegarei a estes lugares pela escolha, mas sim pelo instinto. Eu conheço os meus instintos, os bons e os maus, os que me fortalecem e os que me enfraquecem. Gosto de todos, não os contrario, todos fazem parte de mim, sou todos eles.
Mais, nos teus ombros, braços, barriga, ancas e pernas estarei já inteiro.
(...) Contigo, não consigo estar longe de ti. Contigo, apenas sou capaz de estar contigo.
(...) Vou querer abrir os olhos para, em instantes, ver o teu rosto. Vou querer guardar essas imagens paradas, fotografias do teu rosto.
(...) O meu corpo pesado, lançado pelos meus braços para o teu lado. Quanto tempo passou? Onde estamos? Enquanto recuperarmos a respiração, estaremos cheios de perguntas.
(...) Tudo estará bem se, semanas ou meses após termos feito sexo pela primeira vez, estivermos juntos a rir ou a sorrir.
(...) Se assim for, se assim não for, espero que a memória deste texto seja a memória destes dias e que, dessa maneira, seja algo de bom, que nos faça bem, e que, nesse futuro, sozinhos ou acompanhados por rostos que agora desconhecemos, sejamos capazes de um sorriso que mais ninguém entenda e que não tentaremos explicar a ninguém.»

De José Luís Peixoto, "Como imagino a primeira vez que fizermos sexo",
in "Em Busca da Felicidade - Dez histórias"


Como diz o realizador Fernando Lopes, também a minha «realidade supera largamente a ficção»...
E pensar que li este texto apenas ao final da tarde e todas as palavras parecem encaixar na perfeição...

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Vontade de Vencer


Da minha Kabeceira, retomo a leitura que tinha ficado a meio, em Londres...
História muito pouco pretensiosa e extraordinariamente humilde de alguém cuja maior vitória... foi vencer o seu próprio corpo...
Um fantástico exemplo para todos...

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

«A» fotografia

«Foi então que te tirei a tal fotografia, (...), e, ainda que tantas fotografias felizes mintam, como bem sabemos, ainda que as fotografias consigam suspender a felicidade como se ela fosse eterna, aí tu ficaste para sempre - feliz, suspensa e eterna - tal qual como nesse instante. E é, hoje ainda, a imagem mais forte, mais verdadeira, que tenho de ti. Não saias nunca desta fotografia, (...)! Não saias - tu, não.»

In No teu deserto, de Miguel Sousa Tavares

P.S. Termino aqui a primeira «leitura de kabeceira»... espero que tenham gostado, como eu degustei a excelente prosa de MST, neste seu Quase Romance

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O Deserto da Solidão


«Todos têm terror do silêncio e da solidão e vivem a bombardear-se de telefonemas, mensagens escritas, mails e contactos no Facebook e nas redes sociais da Net, onde se oferecem como amigos a quem nunca viram na vida.
Em vez do silêncio, falam sem cessar; em vez de se encontrarem, contactam-se para não perder tempo;
em vez de se descobrirem, expõem-se logo por inteiro: fotografias deles e dos filhos, das férias na neve e das festas de amigos em casa, a biografia das suas vidas, com amores antigos e actuais. E todos são bonitos, jovens, divertidos, "leves", disponíveis, sensíveis e interessantes. E por isso é que vivem esta estranha vida: porque, muito embora julguem poder ter o mundo aos pés, não aguentam nem um dia de solidão.
Eis porque já não há ninguém para atravessar o deserto. Ninguém capaz de enfrentar toda aquela solidão.»

In No teu deserto, de Miguel Sousa Tavares

Dá que pensar, não?

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Do Teu Deserto


«Não há regresso. Há viagens sem regresso nem repetição.
(...)
- Estava a pensar que há viagens sem regresso. E que nunca mais vou voltar desta viagem. Nunca mais vou regressar do deserto.
Tu não respondeste nada. Os teus olhos azuis estremunhados, o teu cabelo espalhado ao vento em todas as direcções, a tua cara de sono, de menina pequena, respondiam por ti - e, caramba, como tu ficavas bonita assim, sem precisares de dizer o que quer que fosse! Apenas a olhar em frente, como te tinha visto a fazer em todos aqueles dias (...).
Quando tudo era bonito de mais ou duro de mais, tu ficavas calada a olhar silenciosamente.»

In No teu deserto, de Miguel Sousa Tavares

Há pessoas assim... ultimamente tenho convivido com Alguém que corresponde bastante a esta descrição...
Quanto às viagens, algumas realmente não têm regresso nem repetição...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

A minha vida... o meu blog...


«Com os anos, comecei a ficar obcecado em construir coisas. Coisas que ficassem depois de mim: filhos, casas, fotografias, livros, reportagens, viagens, histórias que eu pudesse contar e partilhar com os outros. E, de cada vez que concluía uma coisa, passava a outra e assim sucessivamente, como se tentasse ultrapassar o próprio tempo. Tirando o silêncio, a solidão e o espaço, tirando o tempo gasto nisso, todo o resto do tempo que não fosse passado a construir coisas novas parecia-me um desperdício de vida. Consumia-me uma febre insana de caminhar sempre em frente, ao mesmo tempo que tentava preservar, como coisa preciosa, a memória de todos os dias felizes que tinham ficado para trás»

In No teu deserto, de Miguel Sousa Tavares

Ainda tenho umas quantas «coisas» para construir... e outras tantas para escrever...
A «febre» insana também a sinto... todos os dias...

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O deserto que atravessámos


«Queria mais, vê tu! Queria viver no limite todos os dias, queria que as coisas estivessem sempre a correr. Conhecer novas pessoas todo o tempo, sair, ir a discotecas, divertir-me todos os dias (...)
agora que te foste embora para a tua vida, agora que sei que também tu voltaste para uma casa onde tens alguém à tua espera, alguém que te ama, alguém que te dá paz, também a mim, de repente, me apetecia poder ir para casa e ter à minha espera alguém que me amasse. Não, não estou a dizer que fosses tu. Não estou a dizer isso, estou a falar de alguém. Alguém sem nome.
Eu sei que algures, mais adiante na minha vida, hei-de encontrar quem esteja em casa à minha espera quando eu chegar. Sim, eu sei, está escrito, é sempre assim. Mas era agora que eu queria não sentir este vazio, não te sentir tão distante, tão longe do deserto. Queria só dar um sentido à nossa viagem. Já sei, já sei que nada dura para sempre - só as montanhas e os rios, meu sábio. Mas o que fomos nós um para o outro: apenas companheiros ocasionais de viagem? (...)
Não ficou mais nada lá atrás, não deixámos nada de nós os dois no deserto que atravessámos»
In No teu deserto, de Miguel Sousa Tavares

Isto é parecido com qualquer coisa que conheço... há cada coincidência...
E será que não ficou mesmo nada?

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A traição do tempo

«Dizem que as fotografias não mentem, mas essa é a maior mentira que já ouvi.
(...) quando guardam para sempre um instante que nunca se repetirá, as fotografias não mentem.
(...) Porém, a mentira consiste em pensar que esse instante é eterno, que dois amantes felizes e abraçados numa fotografia ficaram para sempre felizes e abraçados. É por isso que não gosto de olhar para fotografias antigas: se alguma coisa elas reflectem, não é a felicidade, mas sim a traição - quanto mais não seja, a traição do tempo, a traição daquele mesmo instante em que ali ficámos aprisionados no tempo. Suspensos e felizes, como se a felicidade se pudesse suspender carregando no botão "pausa" no filme da vida.»

In No teu deserto, de Miguel Sousa Tavares

Engraçado como neste fim de semana, inadvertidamente, algumas fotografias me passaram pelos olhos...
e senti a traição do tempo... em todas elas...

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Mulheres (demasiado) bonitas

«Fico sempre perturbado com as mulheres demasiado bonitas, nunca sei se são para ser olhadas ou evitadas, contempladas como merecem ou deixadas em paz, porque aquele dom não é culpa que se carregue para devassa alheia.»
In No teu deserto, de Miguel Sousa Tavares

Para mim, não existem mulheres demasiado bonitas...
muito menos me perturbam... as que são bonitas...
Gosto de as contemplar como merecem, tendo a sorte de ter muitas, como Amigas...
e felizmente, a sua beleza não se extingue na aparência física...
porque não é aí que se encontra a essência da Amizade...
já a paixão... pode começar assim...

No fim, tu morres

«(No fim, tu morres. No fim do livro, tu morres. Assim mesmo, como se morre nos romances: sem aviso, sem razão, a benefício apenas da história que se quis contar. Assim, tu morres e eu conto. E ficamos de contas saldadas.)»
In No teu deserto - Quase Romance de Miguel Sousa Tavares

Este é o princípio do fim do livro... no fim, tu também morreste para mim...