quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A primeira vez...

«(...) Não há garantias.
(...) É apenas certo que te materializaste a distância suficiente para que te abraçasse. Depois, pareceu-me que o teu corpo cabia perfeitamente nos meus braços.
(...) Vai ser na minha casa. Vamos estar a beijar-nos no sofá.
(...) Podes morder-me a língua. Podes morder-me onde quiseres.
As minhas mãos. Tu ainda não conheces bem as minhas mãos. Sei que tens uma ideia sobre elas, mas ainda não as conheces muito bem. Eu próprio me surpreendo com elas frequentemente. As minhas mãos vão procurar as formas do teu corpo. Gosto de começar por perceber a dimensão das coisas. Vou segurar-te nos ombros, nos braços, na barriga de lado, nas ancas e nas pernas.

A escolha destes lugares não tem nada a ver com a procura de um crescendo, com uma gradação que, no seu auge, chegue a lugares mais íntimos e/ou pornográficos. Aliás, não chegarei a estes lugares pela escolha, mas sim pelo instinto. Eu conheço os meus instintos, os bons e os maus, os que me fortalecem e os que me enfraquecem. Gosto de todos, não os contrario, todos fazem parte de mim, sou todos eles.
Mais, nos teus ombros, braços, barriga, ancas e pernas estarei já inteiro.
(...) Contigo, não consigo estar longe de ti. Contigo, apenas sou capaz de estar contigo.
(...) Vou querer abrir os olhos para, em instantes, ver o teu rosto. Vou querer guardar essas imagens paradas, fotografias do teu rosto.
(...) O meu corpo pesado, lançado pelos meus braços para o teu lado. Quanto tempo passou? Onde estamos? Enquanto recuperarmos a respiração, estaremos cheios de perguntas.
(...) Tudo estará bem se, semanas ou meses após termos feito sexo pela primeira vez, estivermos juntos a rir ou a sorrir.
(...) Se assim for, se assim não for, espero que a memória deste texto seja a memória destes dias e que, dessa maneira, seja algo de bom, que nos faça bem, e que, nesse futuro, sozinhos ou acompanhados por rostos que agora desconhecemos, sejamos capazes de um sorriso que mais ninguém entenda e que não tentaremos explicar a ninguém.»

De José Luís Peixoto, "Como imagino a primeira vez que fizermos sexo",
in "Em Busca da Felicidade - Dez histórias"


Como diz o realizador Fernando Lopes, também a minha «realidade supera largamente a ficção»...
E pensar que li este texto apenas ao final da tarde e todas as palavras parecem encaixar na perfeição...

14 comentários:

Gelo disse...

não tarda nada tens que colocar o dístico à entrada ;)

ah e tal o conteúdo deste blog pode ser tal e coisa. clique se pretende continuar

hehehehehehe

utopista disse...

Lendo o texto sem preconceitos, apenas deixando-nos ir pelo fluir das sensações que emergem de nós, eu sei que a realidade, às vezes, não cabe nem nos sonhos, quanto mais na sua exteriorização artística; porque me fica sempre uma sensação de que a realidade comporta muito mais do que consigo sorver; porque a realidade que usufruo torna todos os meus maiores desejos em prelúdios duma imensa sinfonia em construção.

F disse...

Bonito texto. Muito bonito.
E ainda dizem que não há coincidências... ;)

Rui Lança disse...

Muito bom...continuo à espera do teu livro!

Sparkle disse...

Sempre achei que a ficção ou imaginação era muito mais rica e sumarenta que a realidade, simplesmente porque se aparta dela todas as cenas de rotina ou quotidiano que quebram esse encanto, mas na verdade, é nas pequenas coisas dessa realidade que afinal descobrimos o ecanto do que é superior à imaginação porque vivido na pele e aí memorizado em cada célula.
Encaixa sim, na perfeição! :)
(PS: Mas que pudico anda este Gelo!)

Anónimo disse...

O texto é lindo diz muita coisa que uma mulher como eu e outras gostava de ouvir nesses momentos as palavras completam-se com o resto uma sem a outra não faz sentido as duas completam-se


já agora não sei se gostas dos perl jam mas eu adoro e estou euforica eles vem cá para o ano

Gelo disse...

ahhh... eu repudi(c)o essa afirmação!

nem púdico nem púnico

quando muito puníceo!

CarlaSofia disse...

Olá K, gostei do texto escolhido.
Sublinho esta frase: «Tudo estará bem se, semanas ou meses após termos feito sexo pela primeira vez, estivermos juntos a rir ou a sorrir.» Essa é a diferença entre um encontro fortuito e um momento de paixão.
beijinhos*

PSousa disse...

Gelo,

para além de contribuíres para o engradecimento deste blog com o teu léxico renovado... já falámos que o conteúdo não é, nada mais do que o aqui está... algo de simples, porque o simples é muito mais interessante do que o complexo... e para complexo (que não, complexado ;), já basto eu...
Até cortei o óbvio, que isso deixo para os básicos...
;)

Sei que não ficas chocado e que adoras provocar-nos... e eu também gosto que sejas assim, Amigo!

Abraço

PSousa disse...

Mano,

as palavras «em construção» assentam muito bem... não sei o que se está a construir, mas sabe-me muito melhor do que destruição...

Abraço e boas férias!

PSousa disse...

F,

pero que las hay, hay

;)

PSousa disse...

Amigo Lança, you're too kind...
O livro vai existir mas vai versar sobre pouco amor... ou talvez verse ;)

Abraço

PSousa disse...

Sparkle, adorei o teu comentário...
Como traduziste tão bem a ideia... se imaginamos algo de fantástico, concretizamos o belo...
(inventei esta agora ;)) e essa beleza repercute-se no nosso adn...
Quem disse que não era possível modificá-lo? ;)
Mudei muito no último ano... e prefiro dizer... evoluí!

Beijo doce

PSousa disse...

Carla, definitivamente a paixão... mesmo que fugaz... mesmo que platónica...

Bj