Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa não é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.
O que eu quero fazer é o elogio do amor puro.
Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Teixeira de Pascoaes meteu-se num navio para ir atrás de uma rapariga inglesa com quem nunca tinha falado. Estava apaixonado, foi parar a Liverpool. Quando finalmente conseguiu falar com ela, arrependeu-se. Quem é que hoje é capaz de se apaixonar assim?
Hoje em dia as pessoas apaixonam-se por uma questão prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão mesmo ali ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato. Por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram em «diálogo». O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica da camaradagem. A paixão, que deveria ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas em vez de se apaixonarem de verdade, ficam praticamente apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há.
Estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr o risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do «tá bem, tudo bem», tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.
Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o medo, o desequilíbrio, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso «dá lá um jeitinho» sentimental. Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Por onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, fachada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassado ao pessoal da pantufa e da serenidade.
Amor é amor. É essa a beleza. É esse o perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor é para nos amar, para levar-nos de repente ao céu, a tempo de ainda apanhar um bocadinho de inferno aberto.
O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A «vidinha» é uma conveniência assassina.
O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um principio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para se perceber. O amor é um estado de quem se sente.
O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita. Não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que se quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar. O amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.
Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos.
E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar esperança, doer sem ficar magoado, viver sózinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder, não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não.
Só um minuto de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.
O que eu quero fazer é o elogio do amor puro.
Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Teixeira de Pascoaes meteu-se num navio para ir atrás de uma rapariga inglesa com quem nunca tinha falado. Estava apaixonado, foi parar a Liverpool. Quando finalmente conseguiu falar com ela, arrependeu-se. Quem é que hoje é capaz de se apaixonar assim?
Hoje em dia as pessoas apaixonam-se por uma questão prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão mesmo ali ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato. Por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram em «diálogo». O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica da camaradagem. A paixão, que deveria ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas em vez de se apaixonarem de verdade, ficam praticamente apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há.
Estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr o risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do «tá bem, tudo bem», tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.
Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o medo, o desequilíbrio, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso «dá lá um jeitinho» sentimental. Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Por onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, fachada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassado ao pessoal da pantufa e da serenidade.
Amor é amor. É essa a beleza. É esse o perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor é para nos amar, para levar-nos de repente ao céu, a tempo de ainda apanhar um bocadinho de inferno aberto.
O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A «vidinha» é uma conveniência assassina.
O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um principio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para se perceber. O amor é um estado de quem se sente.
O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita. Não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que se quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar. O amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.
Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos.
E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar esperança, doer sem ficar magoado, viver sózinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder, não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não.
Só um minuto de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.
In Último Volume, de Miguel Esteves Cardoso
Porque gosto...
porque me apetece...
porque acredito que existirá... algures...
(talvez o texto mais reproduzido na blogosfera, mas hoje, realmente, apetece-me!)
23 comentários:
Acredito no amor puro. Também acredito que é diferente do que se presume, nem melhor nem pior, diferente. Também acredito que se pode sentir amor puro sem ser por uma pessoa. Também acredito que ainda há amor como o que descreves. Também acredito que vale a pena procurá-lo...pois, a buscar pode ser longa, mas até 1' dele vale a pena.
Belo post mais uma vez, my friend!
Olá K, bom dia e bom Ano Novo!
Em primeiro lugar, muito OBRIGADA pela dedicatória! ADOREI. Antes de comentar o texto, deixa-me dizer que tenho uma foto parecidíssima com a tua, tirada no ano passado e que depois fiquei com a folha, ainda hoje a fazer de marcador da minha agenda... e esta? Um dia publico a foto.
Quanto ao tema do amor puro, é um tema forte, merece a pena ser comentado, mas haverá tanto para dizer... posso fazer um post a responder? É uma ideia...
Por agora, vou apenas dizer que acredito no Amor Puro e acredito que o Amor como energia se expressa sob múltiplas expressões, de pais para filhos, de casais, de pessoas para animais, em relação a si mesmo (amor próprio), etc.
Existem algumas características que definem um Amor Puro - cumplicidade e honestidade.
Deixo-te um beijinho e até breve :)
"porque acredito que existirá... algures...", disseste.
Olha que existe. Eu sei que existe.
Assim: total, sem rede, fulgurante, deslumbrante, sadio. Sadio!
Existe (mesmo quando encarcerado em leis, morais ou normas)
Hoje em dia é tão dificil ver alguém atirar-se de cabeça... viver amor louco e loucamente tal como aqueles que estudamos nos tempos de escola ou até que experimentamos quando somos adolescentes... hoje liga-se a toda a envolvente... e ninguém desliga!
Tenho pena.... tenho... cadê o gesto inédito de alguém enviar cartas de amor, de deixar uma flor ou de cometer a loucura de fazer uma serenata ou arrancar um beijo? Já não se vê, já não existe... já não me lembro!
BJKa
Texto fantástico e de facto, mesmo quando partimos a cara, o amor vale sempre a pena!!!
Este texto já conhecia. E adoro, apesar de saber hoje que já vivi esse amor fleumático que aqui se chama puro numa ode contra os bananas da serenidade, e tudo o que me deixou foi um buraco no peito e os estilhaços como a foto do vidro partido.
Nem o amor puro é ir atrás de alguém e depois arrepender-se (isso é atracção pura), nem o amor puro é chega para lá que já não te suporto mas pagas-me as contas (isso é comodismo).
Amor puro é o que faz alguém ser preterido e continuar a amar. É viver uma vida ao lado de alguém, e ainda sentir como se nos tocássemos pela primeira vez. É a ousadia de saber que a maior loucura que se faz por amor é apaixonar-se exactamente pela ideia do amor e não pelo outro.
sabes o que eu acho? que estás a precisar de "amar, assim perdidamente..."
Mesmo que efémero... existiu!
Beijo.te
@
Este texto de facto corre a blogosfera e não só. Também já o partilhei, também eu acredito no Amor Puro, é nesse amor que me encontro e quero sempre encontrar, que vive em mim e, do qual não quero abdicar.
É este amor que me move, que me dá vida à vida que já existe em mim, é este amor que quero dar, doar, transmitir, deixar como legado, é este o amor que gosto de sentir, sem pressa na pressa que se tem quando se ama assim em estado de amor puro. Como não acreditar naquele sentir que vale uma vida inteira, a cumplicidade e conivência deste amor é única e essencial. Acredito e, enquanto viver irei sempre acreditar, esta vida não tem sentido se não soubermos amar.
Gostei de conhecer este espaço. Obrigada por uma vez mais poder reler este texto, por esta partilha.
...vou (re)ler com especial atenção, tantas vezes quantas as que a teimosia e persistência proporcionarem ;) que bom saber que não estou só, partilho das mesmas convicções, apesar de sentir que são cada vez menos os que estão "disponíveis" para iniciar uma viagem sem saber de antemão quais as coordenadas de chegada/partida, a duração e extensão do percurso.
muito obrigada! que bom poder ter chegado desta forma "aconchegante" ao fim de um dia em que, mais uma vez, me deparei com alguém que por nada está sequer disposto a abrir uma fresta na sua "armadura sentimental"
hum...senti que afinal não sou uma tola, ingénua, afinal há mais quem acredite no amor, valha-nos isso :) uma amiga diz e com razão: a dois é mais difícil, mas é tão mais divertido!
Amigo Rui, a busca é o que nos faz correr... a propósito, deixei de correr... deve ter sido esse o mal ;)
Abraço Amigo
Carla, muito obrigado! O prometido é devido e eu não gosto de falhar... nunca ;)
Tenho pena de não ter guardado esta folha da foto... mas aquela árvore era impressionante... as folhas eram todas assim...
Ficava muito lisonjeado se fizesses um post para responder :)
Até breve!
Bj
Mano,
eu também sei que existe... embora me chamem lírico... e quanto às regras... não me importo de as quebrar... como diz o meu Amigo Rui, um segundo, quinze dias valem por uma vida...
Abraço
(desculpa ter saído hoje à pressa sem sequer me ter despedido, mas os Amigos estão sempre aqui)
Sonj,
eu sei que é difícil ver... eu gosto de o fazer... o único problema reside quando mergulhamos sozinhos... quando achamos que estamos acompanhados...
Eu gosto de ver alguém e sentir as pulsações a aumentar... não acontece muitas vezes, mas quando acontece é fantástico... cartas... escrevi muitas, flores idem... serenata apenas uma... beijos arrancados, muitos ;) alguns deles a ferros... mas isso fica para outro post :)
Acredita, que existe! Eu sou desses e tenho a certeza que não sou único... apenas diferente ;)
Beijo doce
P.T. bem vindo a este espaço!
Obrigado pela comentário e pela visita... volta sempre e se for para comentar o Amor, vale sempre a pena...
Cumps
Sparkle,
tento reter (como dizem determinadas regras e estas que eu não gosto de quebrar) o que de positivo senti em cada uma das relações ou momentos que já passei...
O teu diagnóstico está correcto: Amor, muito... para dar!
Gosto mais de dar... difícil é a vontade de alguém receber...
2010 promete ser fantástico, porque eu... não desisto!
Bj
@T, não tenhas dúvidas que existiu... os quinze que descrevo acima... pertencem-te por direito próprio!
Bjs muitos, dos meus ;)
Luz,
muito obrigado por «iluminar» este espaço... Obrigado pela visita... partilha é o que se pretende deste espaço...
Volte sempre!
Cumps
a ti chamam-te lírico; a mim... utopista :-)
K, a resposta já está nos universosquestionáveis, prometo que a foto da folha será publicada mais tarde, por agora deixo outros corações...
beijinhos*
Mano,
por acaso é a mã, que me chama lírico... adoro a palavra utopista... a ti, aplica-se na perfeição... uma palavra única para um Amigo único!
Carla,
muito obrigado pela dedicatória... simplesmente fantástico!
Encantado!
Bj
Há "coisas" que são únicas, por isso mesmo dificeis de encontrar, nem adianta procurar...
Um dia, de repente, apanhas um susto, reparas que alguém "te entrou" sem pedir licença e se instalou..., é quando percebes que se instalaram mutuamente!
Eu sei... há urgencias que demoram tanto a acontecer...
Amei este teu texto K
Desculpa a invasão, passeando-me por aí encontrei uma referencia a aKi :)) e não resisti a entrar.
Um beijo, se me permites.
Cara Lágrima,
podes entrar sempre que o desejares... serás bem vinda!
Quanto ao texto, sou fã, como tantos outros, dos escritos do MEC, há mais alguns por aqui...
Beijo permitido e retribuído
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